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domingo, 31 de outubro de 2010

JABUTI: o quelônio terrícola mais conhecido do Brasil.

Roberto Rocha

Os mitos

A primeira vez que li o antigo nome científico do jabuti – Testudo tabulata - achava que havia somente uma espécie desse quelônio terrestre no Brasil (IHERING, 1935). O nome jabuti era usado por índios da língua Tupi, muito conhecido das fábulas amazônicas.





Um livreto de Charles Frederik Hartt – Mitos Amazônicos da Tartaruga - da editora Perspectiva: São Paulo, 1977, resgata uma monografia publicada por aquele autor no Rio de Janeiro, em 1875, fruto de suas viagens pelo nordeste e extremo norte do Brasil por convite de Louis Agassiz. Dele constam “O jabuti que venceu o veado na carreira”, “O jabuti que enganou o homem”, “Como um jabuti matou duas onças”, “Como o jabuti provocou uma luta entre a anta e a baleia”, “Como um jabuti matou uma onça e fez uma flauta com um dos seus ossos”, “Como o jabuti se vingou da anta”, “O jabuti mata a mucura convencendo-a que deve enterrar-se”, “Como o jabuti enganou a onça”, O que sabemos é que existem duas espécies dessa “tartaruga terrestre”, uma de cor mais clara e outra de cor mais escura.


As espécies
O Dr. Emilio A. Goeldi, em sua histórica obra Chelonios do Brazil[1], refere-se ao termo JABUTI-TINGA (Geochelone denticulata), com base em J. M. da Silva Coutinho – assim conhecido pelo povo do Norte (Amazônia). Também de lá vem a denominação “jabóta” para designar a fêmea e “carumbé” para os machos (GOELDI, 1905). Essa espécie bem que poderia ser chamada de JABUTI-DA-AMAZÔNIA, que prefere as matas muito úmidas equatoriais, embora se indique uma população disjunta em pequeno trecho do sudeste, longe da linha do Equador Infelizmente fica cada dia mais difícil encontrar indivíduos “puros da terra” porque através das estradas brasileiras esses animais são levados de um local para outro, injetando “sangue” de áreas distantes. Um estudo com base na biologia molecular poderá auxiliar na caracterização de algumas dessas populações, certamente já enriquecidas de híbridos.


Mais concentrada no Brasil Central encontramos a outra espécie - o JABUTI-PIRANGA (Geochelone carbonaria) distribuído desde o litoral, invadindo a caatinga e se continuando pelo cerrado. O jabuti-tinga e o jabuti-piranga são simpátricos em boa parte desses biomas, conforme mapas (VANZOLINI, 1994; PRITCHARD & TREBBAU, 1982).



É verdade que a espécie mais conhecida é Geochelone carbonaria (Foto Lauro Bacca, 1981) porque vive na área onde a destruição das matas foi maior nos últimos séculos, para expandir a criação de gado, da cana-de-açúcar e da soja mais recentemente. A Amazônia começou a ser descaracterizada mais tarde, no século XX. É possível que num passado não muito distante, a densidade de jabotis era muito alta, e esses animais deviam devorar muitos cadáveres de animais de todo tipo, fruto da intensa predação tropical. Infelizmente devido à sua lenta locomoção são logo capturados e comidos por humanos. São apreciados como alimento especialmente no Norte e no Brasil Central onde são assados no próprio casco, na brasa, deitados de costa. Há quem os mantenha no quintal para desviar o “mau olhado” de algum vizinho invejoso. Alguns são “roídos” pelos cães domésticos ou literalmente incendiados quando se metem em montes de folhas secas.

Do habitat


Esses quelônios são animais tranqüilos de lidar se respeitamos seus limites térmicos de tolerância, entre 20C-30C. Animais mantidos durante muito tempo em ambientes acima ou abaixo dessas faixas ficam estressados e tornam-se vulneráveis a várias doenças. Em tempo muito quente de verão, os jabutis cativos procuram a água rasa para se refrescar devendo-se sempre manter um pequeno tanque bem raso com plantas aquáticas como o ALFACE-DÁGUA (Pistia stratiotes, Araceae), e a MARREQUINHA ou ORELHA-DE-ONÇA (Salvinia auriculata, Salviniaceae). Observando o comportamento das duas espécies em períodos muito quentes, o equatoriano Geochelone denticulata procura mais a água do que o savanense G. carbonaria. Essa informação é importante para a manutenção desses animais em cativeiro, de modo que o jabuti-amarelo deve ser mantido preferencialmente em locais mais arborizados, mais úmidos, com muitas folhas mortas cobrindo o solo e iluminação menos intensa. Esses fatos nos sugerem afirmar que não é difícil manter um programa para a conservação desses quelônios, bastando que lhe sejam oferecidos abrigos para os tempos mais frios, locais adequados para postura (cavar o chão e depositar areia grossa em pontos mais altos para evitar o acúmulo de água durante chuvas fortes) e uma grande área para suas andanças, fato muito importante para manter sua saúde. Um jabuti saudável anda literalmente “nas pontas das patas”. Se ele “se arrasta” e as patas estão afastadas para os lados é porque algo não vai bem. Nunca deixar os animais em cimentados e pisos lisos e escorregadios. No período frio do ano costumam se recolher em local abrigado e escuro e passam ali bom tempo, quietos.

A dieta

Luederwaldt (1926) com base em informações de F.C. Hoehne (Instituto Butantan) informa que o jabuti come os frutos do GENIPAPEIRO (Genipa americana) e do CAJÁ-MIRIM (Spondias lutea). É certo que frutos coloridos são apreciados pelos jabutis mas também os que possuem fortes odores como o caso da COITÉ ou CUIEIRA (Crescentia cujete, Bignoniaceae). Os jabotis comem avidamente as sementes desses frutos quando já estão caídos há bom tempo e escurecidos. Um arbusto conhecido como AZEDINHA (Hibiscus sabdariffa, Malvaceae) também é procurado com insistência. A TRAPOERABA (Commelina erecta, Commelinaceae) é apreciada eventualmente . Em cativeiro aceitam frutas diversas, folhas verdes, ração peletizada e comem também as fezes endurecidas de cães alimentados com ração.


Dietas incorretas

Deve-se usar com reserva as rações de carnívoros (cães e gatos) porque podem comprometer os rins. A associação de altas doses de proteína e fósforo com baixas doses de vit. D3 e de cálcio são as principais causas das desordens nutricionais entre jabutis. Excesso de proteína pode causar crescimento exagerado das placas que se apresentam como pirâmides ressaltadas na carapaça (osteodistrofia fibrosa). O excesso de ácido úrico sanguíneo causa gota visceral e articular que podem levar à falha renal. Observar sempre se o animal tem acesso à água com facilidade. Se não procurar água regularmente isso pode indicar algum problema. Diversos endoparasitos podem causar doenças em jabutis e é importante realizar exames de fezes semestrais.

Doenças infecciosas

Doenças pulmonares são mais comuns entre os jabutis porque a ausência de diafragma não facilita a expulsão de secreções do trato respiratório. Secreções purulentas nas narinas indicam prováveis infecções respiratórias, que podem estar associadas à apatia, à prostração e perda de peso. Temperatura e umidade relativa incompatíveis causam estresse e intolerância nesses animais, principalmente se associados à deficiência de ingestão das vitaminas lipossolúveis. Alimentos coloridos costumam ter boas doses de provitamina A. Questões digestivas estão associadas à baixa ingestão de fibras e a espaços restritos que não estimulam a locomoção. A debilidade muscular também favorece a retenção de ovos. A rutura da casca do ovo ainda dentro do oviduto pode exigir a retirada dos fragmentos cirurgicamente. Nos machos o prolapso peniano pode causar traumas consideráveis durante a cópula nos períodos reprodutivos. Os répteis doentes precisam de acompanhamento especializado. Informações sobre diagnóstico e tratamento desses animais estão disponíveis em Fowler (1986), Fry (1991). Aspectos de interesse da biologia, manejo em cativeiro, doenças infecciosas, disordens nutricionais, parasitismo e cirurgias estão mais detalhadas em Molina et al. (2001), de onde consultamos boa parte dos dados aqui apresentados.


Sobre reprodução

Os machos são briguentos e procuram “bater” nos seus possíveis rivais que circulem na mesma área de modo que se apossem de todas as fêmeas que estejam por perto, mesmo as de menor porte (foto). Usam a parte anterior do plastrão como uma cunha para “impactar” e virar o adversário, mas também mordem quando podem. A ídéia é desestimular o outro macho para que ele se afaste do território. Os barulhos desses embates podem ser ouvidos mesmo a distância.


As fêmeas liberam urina para amolecer o solo se acharem que ele dificulta a cavação de uma câmara arredondada, com cerca de 10 cm de diâmetro. Retiram a terra com as patas traseiras, revezando-as, como fazem as tartarugas marinhas. Depois, cobrem a parte superior do buraco disfarçando-o. A postura ocorre preferencialmente no segundo semestre e a incubação pode variar de três a cinco meses, um pouco mais ou pouco menos. Embora o número de ovos por postura possa variar de 2 a 8, observamos um caso em que a fêmea veio a óbito por retenção de doze ovos.

Acompanhamos a incubação artificial de um único ovo dentro de uma redoma de vidro transparente, com apenas um pouco de água no fundo, com tampa de vidro, dentro da qual foi colocado um pequeno prato e um curto apoio de plástico cilíndrico para firmar o ovo.




A eclosão ocorreu após sete meses. O neonato colocado perto de alguns ramos vegetais logo procurou abrigo nele, escondendo-se imediatamente. Esse fato nos indica que o solo rico em folhas mortas e outros materiais em decomposição são importantes para a proteção desses pequenos seres de cascos ainda muito moles.


Esse fato tem sido obsevado em vida livre. O vitelo presente nos recém-natos indica que eles podem ficar um tempo sem comer até que se acostumem com as redondezas do local de eclosão, geralmente rico em hervas e outras fontes de alimentos para esses pequenos seres em seu início de vida.




REFERÊNCIAS



FOWLER, M. E. 1986. Zoo and Wild Animal Medicine. Philadelphia, W.B. Saunders.
FRY, F. L. 1991. Biomedical and Surgical Aspects of Captive Reptile Husbandry. Krieger Publishing.
IHERING, R. von, 1935. Diccionario dos animaes do Brasil. Boletim de Agricultura, 1935:199-318.
LUEDERWALDT, H., 1926. Os chelonios brasileiros com a lista das especies do Museu Paulista. Revista do Museu Paulista, 14:405-468.
MOLINA, F.B.; MATUSHIMA, E.R. & MAS. M. Class Reptilia, Order Chelonia (Testudinata) (Chelonians): Turtles, Tortoises. In : FOWLER, M. E. & CUBAS, Z. S. 2001. Biology Medicine, and Surgery of South American Wild Animals. 1 ed. Iowa State University Press, 2001, Vol.I, p. 15-30.
PRITCHARD, P.C.H. & TREBBAU, P. 1982. The Turtles of Venezuela. Contributions to Herpetology, 2:1-403.
VANZOLINI, P.E., 1994. On the distribution of certain South American turtles (Testudines: Testudinidae & Chelidae). Smithsonian Herpetological Information Service, 97:1-10.
[1] Boletim do Museu Goeldi. Vol. IV, 1905. Jabotys - Kágados – Tartarugas. Capítulo primeiro da Monographia <>, obra inédita escrita entre 1892 e 1894. 58 pp. 699-756.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Um cágado típico da bacia do rio Paraíba do Sul no Estado do Rio de Janeiro e cercanias

Colaborador: Roberto Rocha

CÁGADO-DO-RIO-PARAÍBA-DO-SUL, CÁGADO-DE-HOGE
A espécie aparece na literatura científica mais recente com os nomes de Phrynops hogei, Ranacephala hogei e, atualmente, Mesoclemmys hogei.

O réptil encontra-se na categoria EM PERIGO na lista de espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção (IBAMA, 2003). Foi o primeiro quelônio de água doce a ser incluido na relação nacional.

Sua distribuição geográfica inclui a bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, no Estado do Rio de Janeiro e cercanias (Espírito Santo, Minas Gerais). Pouco se sabe sobre seus hábitos em vida livre (in situ) ou cativeiro (ex situ)..


Principais impactos socioambientais que afetam a espécie:


1. Erosão e a simplificação das matas ciliares existentes em seu habitat

2. Captura acidental em redes de pesca e em anzol.

3. Alterações na composição físico-química, por poluição industrial, nos ecossistemas aquáticos dos quais depende.


Necessidades urgentes para a sua preservação :

1. Ampliar o conhecimento sobre o seu status populacional

2. Restaurar os ecossistemas de suporte da espécie ao longo da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul e cercanias.

3. Restabelecer os padrões físico-químicos naturais da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul e demais contribuintes.

4. Criar novas unidades de conservação dentro da área de distribuição geográfica da espécie

5. Divulgar informações ecológicas sobre Ranacephala hogei com fins educativos e conservacionistas.

6. Implementar programas de conservação em cativeiro e em vida livre oficialmente autorizados pelo Poder Público.


Se voce souber de alguma informação sobre a espécie, por favor, faça seus comentários abaixo.

Agradecemos a colaboração


FONTES PARA CONSULTAS:

MITTERMEIER, R.A.; RHODIN, A. G.J.; ROCHA-E-SILVA, R. da and OLIVEIRA, N. A. de. 1980. Rare Brazilian sideneck turtle. Oryx 15(5):473-475.

RHODIN, A. G.J. 1982. Hoge's sideneck turtle, Phrynops hogei Mertens 1967. In: GROOMBRIDGE, BRIAN. The IUCN Amphibia – Reptilia Red Data Book, Part 1. Testudines, Crocodylia, Rhynchocephalia. Gland: International Union for Conservation of Nature and Natural Resources, p. 271.

RHODIN, A.G.J., MITTERMEIER, R. A. and ROCHA-E-SILVA, R. da. 1982. Distribution and taxonomic status of Phrynops hogei, a rare chelid turtle from southeastern Brazil. Copeia 1982(1):179-181